Religião, Sociedade & Cultura

Uniesmero




ISBN: 978-65-5492-084-1

DOI: 10.5281/zenodo.13334782

Descrição: 
“O verdadeiro caminho vai sobre uma corda, a qual não está esticada na altura, mas sim apenas sobre o solo. Ela parece mais destinada a fazer tropeças, que a ser percorrida”.
Franz Kafka.

Fazer um prefácio (praefatio) é uma daquelas tarefas que nos colocam, perigosamente, em um entre lugar. É preciso lidar com a tênue linha entre aquilo que deve ser dito (efatio) antes (prae), e o que pode saturar (fastio) antes mesmo do começo. Perigo ao qual nos submetemos, exclusivamente, quando os parceiros de ventura nos inspiram a confiança de um Virgílio e nos seduzem como Beatriz. Aos organizadores, parceiros de ventura, agradeço a confiança e me desculpo previamente pelos tropeços que possa causar na caminhada por sobre essa corda bamba. Aos leitores, peço que não prejulguem o livro pela incapacidade de seu prefaciador.
De partida, retomaria o argumento de Marx (2005, p. 145), segundo o qual “a crítica da religião é o pressuposto de toda a crítica”. Para não enfastiar com um debate sobre os fundamentos da crítica marxiana à religião, ressaltamos apenas o que não pode deixar de ser dito, qualquer crítica que se pretenda desenvolver no ambiente sociocultural precisa tomar como ponto de Arquimedes a crítica da religião. Não significa, contudo, que sempre seja necessário voltar a este ponto para desenvolver as demais críticas, mas que este ponto é o elemento fixo a partir do qual as outras construções humanas podem ser compreendidas.
A religião funcionaria assim como um arquétipo das demais construções sociais e culturais. E sim, estamos cientes do quanto isso se distancia do pensamento original citado no parágrafo anterior, mas não vamos assumir o fastio de descrever todo o processo desenvolvido entre Marx e a arqueologia foucaultiana. Basta reafirmar o que deve ser dito, há algo de originário nas experiências religiosas que as tornam extremamente relevantes para pensar a sociedade e a cultura, mesmo quando estas já se apresentam como irreligiosas.
Identificar a religião com este ponto de Arquimedes das críticas, ou com algo que arquetipicamente está presente, mesmo quando seu aspecto originário já se esvaiu, não significa que se queira revestir o objeto de estudo apresentado neste compêndio como algo a mais do que ele de fato é. Na verdade o que buscamos aqui é tão somente uma explanação do quanto o estudo sobre a religião consegue nos ajudar na compreensão dos mais diversos temas, o que não a torna o objeto mais glamouroso, mas indubitavelmente, mais limítrofe, tanto quanto a própria atividade de prefaciar.
A relevância da religião para os estudos socioculturais está no fundamento mesmo de seu significado original. “Pode-se definir como religião aquilo que subtrai coisas, lugares, animais ou pessoas ao uso comum e as transfere para uma esfera separada. Não só não há religião sem separação, como toda separação contém ou conserva em si um núcleo genuinamente religioso” (Agamben, 2007, p. 65). A religião faz o que toda crítica deve fazer, retira as coisas do uso comum. Não se pode desenvolver nenhuma crítica enquanto o objeto de análise não estiver aparte de uso que a sociedade faz dele. A análise que o cientista faz de qualquer objeto, o separa do uso que dele se faz. No limite, a ciência tem algo de “genuinamente religioso”.
Assim como ao prefaciar se está por sobre uma corda bamba, assim também a religião se faz na tênue linha entre o comum e a separação para seu uso próprio, e a ciência se desenvolve analisando objetos que já não estão mais em seu uso comum. Conseguir fazer a crítica da religião exige analisar o tema – que, por si, separa coisas de seu uso comum – separando-o de seu uso costumeiro. Ou seja, quase como se se estivesse fazendo religião com a própria religião. Aí se encontra o tenso limite que anunciamos anteriormente.
Enquanto a religião separa as coisas e as sacraliza, impossibilitando que sejam utilizadas tais quais seriam sua função original. Tal qual quando o vinho é sacralizado em sangue de Cristo e não pode mais ser usado como acompanhamento de petiscos e conversa informal. Assim também o objeto da ciência se torna imprestável à sua função original após a crítica desenvolvida. Ninguém faz seus cultos na Igreja Universal do Reino de Deus dos cientistas da religião, há algo da prática usual que não pode ser vivenciado no objeto da análise retirado do seu uso comum religioso. O cientista analisa um objeto religioso, separando-o do uso comum religioso, mas esta atividade é “genuinamente religiosa”, só não presta mais ao uso religioso anterior. Compreender este aspecto limítrofe é “pressuposto de toda crítica”.
A crítica não profana o objeto de sua análise, não o devolve a um uso comum, dessacralizado. O uso comum é o uso que a sociedade e a cultura fazem de cada um dos seus objetos, mesmo aqueles que são religiosos. A crítica tão somente pode compreender o uso feito, e essa compreensão se faz ao retirar as coisas de seu uso sociocultural comum. Não se deve crer que a crítica indica o verdadeiro caminho, ela percorre a mesma corda bamba por onde todos nos arriscamos constantemente. E a crítica da religião faz esse percurso ao extremo.
Para evitar o risco do fastio fixemos apenas o que não podia deixar de ser dito, a crítica da religião não torna o objeto religião um tema mais importante que os demais, ela experimenta a condição mais extremada e limítrofe possível, por isso ela é pressuposto das demais. Por isso os textos que se seguem precisavam ser ditos (efatio), por mais que este praefatio não os faça jus, convidamos o leitor a se exercitar sobre essa corda bamba sobre a qual a sociedade e a cultura revelam alguns dos traços que nos ajudam a compreender essa condição fronteiriça que é nossa condição mais própria.
- Mauro Rocha Baptista
- Professor junto ao departamento de Ciências Humanas na UEMG-Barbacena, doutor em Ciência da Religião pela UFJF.

REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007.

MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005.


Organizadores: Vitor Cesar Presoti; Caio César Nogueira Martins e Ramon da Silva Teixeira

Autores: Caio César Nogueira Martins; Fabrício Roberto Costa Oliveira; Geraldo Magela Rodrigues de Oliveira Neto; Luiz Ernesto Guimarães; Ramon da Silva Teixeira; Reinaldo Azevedo Schiavo; Vitor Cesar Presoti.

Capítulos
PREFÁCIO
Mauro Rocha Baptista

RELIGIÃO E POLÍTICA: O SEGUNDO ANO DE MANDATO DE UM PREFEITO CARISMÁTICO EM BARBACENA-MG
Luiz Ernesto Guimarães e Geraldo Magela Rodrigues de Oliveira Neto

O CONCÍLIO VATICANO II E A CRISE DE VOCAÇÕES
Reinaldo Azevedo Schiavo e Fabrício Roberto Costa Oliveira

O DIABO NÃO É TÃO FEIO QUANTO PINTAM: ALIANÇAS E RUPTURAS DA IURD COM A ESQUERDA BRASILEIRA
Caio César Nogueira Martins

KARDECISMO RURAL: EXCEÇÃO EM UMA CIDADE HEGEMONICAMENTE CATÓLICA
Vitor Cesar Presoti 

COMO A “RAMA DE ABÓBORA”: O MOBON, AS CEBS E A FORMAÇÃO DE COLETIVOS QUE LUTAM PELA DEFESA DE DIREITOS E RECONHECIMENTO NA ZONA DA MATA MINEIRA
Ramon da Silva Teixeira


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